sexta-feira, 18 de maio de 2012

Carta à Exma. Sra. Presidenta da República


São Paulo, 18 de maio de 2012.



Excelentíssima Senhora Presidenta da República Federativa do Brasil,

Dilma Vana Rousseff



As instituições aqui representadas pelos seus dirigentes vêm, respeitosamente, por meio desta, e externar o seu mais expresso repúdio perante o resultado da votação realizada na Câmara dos Deputados no último dia 25 de abril, e que culminou na aprovação do relatório elaborado pelo deputado federal Paulo Piau, sobre o texto do substitutivo do Senado ao Projeto de Lei nº 1.876/1999.

Em tempos que a preocupação ambiental foi inserida na agenda de todos os governos como condição indissociável para alcançar o desenvolvimento; tempos em que transformações climáticas globais têm exigido que os Estados nacionais enfrentem seus efeitos e suas causas com instrumentos de mitigação e de adaptação com o objetivo de propiciar maior segurança às populações; o Brasil assumiu obrigações diante da sociedade internacional, ao ter ratificado convenções de direitos humanos, de proteção ambiental – notadamente em matéria de biodiversidade e mudança do clima, e comprometeu-se em assegurar progressivamente a todos o direito ao meio ambiente sadio e ao desenvolvimento sustentável do país. Era de se esperar que o Congresso Nacional tomasse atitude progressista e coerente com tais compromissos, mas não foi isso o que ocorreu com a aprovação do PL que visa revogar a Lei nº 4.771/65 – Código Florestal.

Caso o texto, resultado daquela votação no Congresso Nacional, seja sancionado por Vossa Excelência, a insegurança jurídica será instalada, uma vez que seu teor é flagrantemente inconstitucional; e o país poderá ser considerado internacionalmente responsável por atos emanados do poder legislativo, pelo fato do texto ser contrário aos compromissos internacionalmente assumidos pelo Brasil. Tal qual Vossa Excelência afirmou em seu discurso de posse, ao citar João Guimaraes Rosa, “O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”. E é preciso coragem agora Excelentíssima Presidenta! Os movimentos sociais, artistas, juristas, campesinos, cientistas desse país estão do seu lado e já se manifestaram. Foram, aliás, inúmeros os alertas dados aos nossos congressistas sobre os efeitos nefastos de alterações do Código Florestal dentre os quais se destacou o estudo realizado pela Sociedade para o Progresso da Ciência e da Academia Brasileira de Ciência!

Há a necessidade que Vossa Excelência avalie agora com a máxima ponderação e responsabilidade, o cenário que o país enfrentará, às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – Rio+20, caso esse texto seja sancionado. Mas, não se trata de colocar em jogo apenas a perda de liderança do país no tabuleiro internacional em face das questões ambientais, trata-se de considerar as catástrofes que podem redundar da sanção desse texto, com a erosão nas margens dos rios e encostas, os prejuízos econômicos à agricultura brasileira e ao bem-estar de toda a população brasileira – com a alteração do regime de chuvas, por exemplo – bem como os efeitos nefastos em relação ao exemplo que pode ser dado: àqueles que cumprem a lei “nada”, aos que burlam a lei, “tudo é e continuará a ser permitido”; disseminando assim um ambiente de insegurança jurídica no seio da sociedade. Certamente, Vossa Excelência não deseja ter o sangue da tragédia em suas mãos, pois com a sanção desse texto, bastará chegarmos ao próximo verão – se isso não ocorrer antes – para assistirmos novamente as encostas desabando e a morte de milhares de pessoas como Vossa Excelência já presenciou – sobretudo, diante do fato que os topos de morro ficaram fora da proteção antes propiciada pelo Código Florestal e esses espaços certamente passarão para as mãos da especulação imobiliária.

Há, Excelentíssima Senhora Presidenta, questões jurídicas que devem ser consideradas: as inconstitucionalidades e descumprimento dos compromissos internacionalmente assumidos pelo país.

O relatório aprovado no último dia 25 de abril introduziu vinte e uma modificações ao substitutivo do Senado federal - já deficiente em termos de proteção ambiental, visto caracterizar um retrocesso na legislação ambiental - e que expuseram um conjunto de pelo menos seis transformações que mereceriam a consideração de Vossa Excelência, para o fim de justificar o seu veto integral.

O texto resumidamente:

a) concede mais dez anos para a compensação das áreas de reserva legal que tenham sido degradadas até a data de 22/07/2008;

b) modifica a definição das áreas de preservação permanente diminuindo a extensão dos espaços protegidos ao situar as faixas de mata ciliar a partir da calha do leito regular dos cursos hídricos;

c) elimina a proteção às nascentes intermitentes e reduz significativamente a área de proteção das perenes;

d) elimina a proteção às veredas, de importância essencial à manutenção do cerrado;

e) elimina a proteção geral e ex lege que antes era reservada às várzeas para permiti-la apenas como exceção, mediante ato do Chefe do Executivo, sendo estes, espaços representados pela maior parte das áreas úmidas, entre as quais está o bioma do Pantanal Matogrossense, que conta com proteção internacional;

d) amplia as hipóteses de utilidade pública e interesse social para fins de supressão de áreas de preservação permanente, e silencia quanto à obrigatoriedade de compensação em casos tais;

e) elimina a regularização ambiental como condição para acesso ao crédito;

f) elimina o dever de o proprietário manter o percentual legal mínimo de reserva legal nos imóveis de até quatro módulos rurais (90% das propriedades rurais brasileiras e 24% do total de áreas)[1], desde que o desmatamento da vegetação nativa tenha ocorrido até 22 de julho de 2008, podendo ele compor sua Reserva Legal apenas com a vegetação remanescente;

g) permite o uso das áreas de reserva legal, inclusive para o cultivo de espécies exóticas, inviabilizando a preservação dos biomas, da paisagem e da biodiversidade;

h) permite o uso de áreas de preservação permanente com declividade entre 25 e 45 graus e;

i) permite a manutenção de atividades agrossilvopastoris em APPs e restringe o dever de recuperação dessas áreas a 15 metros nos rios de até 10 metros de largura, quando a própria lei determina que o tamanho mínimo das APPs de rios com até 10 metros de largura deve ser de 30 metros;

j) permite, como regra geral, o cômputo das áreas de preservação permanente para a composição das áreas de reserva legal;

k) anistia todas as multas aplicadas até 22/07/2008, bastando que o infrator firme um Termo de Compromisso de regularização da situação;

l) não prevê qualquer tratamento diferenciado à porção relevante de proprietários rurais que cumpriram com todas as obrigações legais;

m) vulnerabiliza a capacidade financeira dos Estados ao proporcionar que os espaços antes protegidos tenham de ser, necessariamente, objeto de desapropriação sempre que se fizer necessária a intervenção pública sobre os mesmos;

n) fragiliza o sistema de tríplice responsabilização dos ilícitos ambientais cuja previsão é constitucional;

o) fragiliza o microssistema de reparação penal dos ilícitos ambientais ao instituir nova causa despenalizadora, e de extinção da punibilidade, que além de não se encontrar prevista na lei de crimes ambientais, permite que por meio de simples termo de ajustamento de conduta na esfera civil, seja impossível a persecução e punição penal dos crimes associados a esses ilícitos que já tenham sido praticados.

Na realidade, em relação ao aquecimento global, o texto ao permitir ampliar as áreas de desflorestamento provocará um aumento das emissões de gases de efeito estufa e poderá comprometer gravemente ou mesmo inviabilizar que o Brasil cumpra os compromissos assumidos voluntariamente de redução de emissão de GEE entre 36,1% a 38,9% até 2020. E, ao contribuir com o desflorestamento o texto igualmente coloca em risco os processos ecológicos essenciais e a proteção da biodiversidade brasileira.

Apenas para o fim de demonstrar de forma prática os efeitos socioeconômicos do texto aprovado, em razão da importância do bioma cerrado para a proteção dos recursos hídricos, o cenário atual de forte expansão das atividades agroindustriais sobre ele sugeriria a adoção de medidas para proteger o que esse bioma representa para a própria continuidade da agricultura e da pecuária brasileiras nessas áreas.

As áreas de preservação permanente e a reserva legal constituem importantes instrumentos não apenas para a estabilidade do clima, senão de garantia da própria atividade econômica. Em sua apresentação dos números do desmatamento no Cerrado em 2009, o IBAMA assinalou que 50% da capacidade de produção de energia hidrelétrica nacional depende do ciclo das águas em bacias hidrográficas situadas no Cerrado.[2]

Em semelhante sentido, a anistia geral para o dever de recuperar as áreas de reserva legal degradadas já teve os seus efeitos avaliados pelo INPE em seu comunicado n. 96, quando se tinha em questão a aprovação da primeira versão originária da Câmara dos Deputados. O comunicado se antecipou a esse possível cenário que poderia ter origem em votações posteriores.[3] Foi estimada na ocasião, a perda de 79 milhões de hectares decorrentes da anistia sobre o dever de recuperação das áreas degradadas em todo o território nacional. Para ilustrar essa perda nos biomas Amazônia e Cerrado, 53% dessas áreas estão localizadas no primeiro bioma, e 17% no segundo.[4] Mais de 13 milhões de toneladas de carbono deixariam de ser fixadas nesse mesmo cenário.

Esse quadro também representaria prejuízos visíveis ao desenvolvimento da atividade agrícola na Amazônia e no Cerrado, áreas onde o seu avanço é mais significativo. A manutenção da floresta assegura ao produtor a existência de polinizadores, proteção natural contra processos erosivos e a manutenção de recursos hídricos disponíveis para suas atividades, e para a geração de eletricidade, dentre outros serviços ambientais indispensáveis às sociedades humanas.[5]

Eliminar o dever de recuperação do passivo existente sobre as áreas de reserva legal, e sobre as áreas de preservação permanente, significaria admitir, entre outras consequências, que o Brasil:

a) não terá condições de atender aos seus compromissos climáticos,

b) deixará de proteger espaços naturais especialmente sensíveis para a manutenção de processos ecológicos essenciais;

c) deixará de garantir a proteção das pessoas em razão de catástrofes e desastres e;

d) prejudicará a própria atividade econômica em razão da provável escassez de recursos hídricos, aceleração de processos erosivos e eliminação de espécies polinizadoras da produção agrícola.

O texto substitutivo do Projeto de Lei nº 1.876/99 constitui um instrumento jurídico incapaz de proteger a sociedade brasileira e as suas florestas, e seguramente não viabiliza nenhum modelo viável e factível de desenvolvimento econômico, de integração social e regional e de justiça social e ambiental. Sob essa perspectiva, as Instituições e Associações abaixo assinadas lhe propõem, Excelentíssima Senhora Presidenta, ponderar e refletir, a partir de todo o conjunto de informações científicas e técnicas que também foram produzidas por agências e órgãos institucionais sob a sua direta coordenação, se esse texto tem de fato condições de continuar garantindo que compromissos constitucionais e internacionais sejam cumpridos no interesse de todos os valores que informam a República brasileira.

Um Código Florestal que não consegue proteger as pessoas, que não consegue proteger as florestas, e que não consegue proteger o exercício das atividades econômicas, seguramente não viabiliza nenhum modelo viável e factível de desenvolvimento. Sob essa perspectiva, o tão incentivado equilíbrio e a segurança jurídica perseguidos pelos atores que contribuíram para a modificação do Código Florestal não puderam ser atingidos por meio desse texto.

Todas as convenções e tratados internacionais de proteção dos direitos humanos favorecem um sentido de aperfeiçoamento dessa proteção não tendo proposto até o momento, uma única realidade que tenha eliminado, diminuído ou mitigado o conjunto de garantias que já foi atingido no plano internacional.

A ordem jurídica brasileira é uma ordem materialmente aberta e estabelece um diálogo permanente com as fontes, sendo possível que deste diálogo se obtenha um importante efeito sobre as decisões que são tomadas pelos parlamentos. Os tratados e convenções, sejam elas do sistema global ou regional, desenham nitidamente um princípio de progresso na proteção dos direitos humanos, e deste princípio de progresso decorre um imperativo de não retorno, e de não retrocesso.

Essas obrigações estão presentes no texto do artigo 2.1 do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; artigo 26, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos; artigo 1 do Protocolo Adicional de San Salvador à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Todos esses instrumentos já se encontram integrados na ordem jurídica brasileira, propondo um rigidíssimo bloco de convencionalidade que não permitiria a desconstituição dos níveis de proteção que já foram atingidos.

Por outro lado, a própria Constituição brasileira também não se mostra tolerante com comportamentos que violem o efeito cliquet dos instrumentos convencionais de proteção dos direitos humanos. Em primeiro lugar, a Constituição brasileira exige que o Estado e toda a comunidade política protejam os processos ecológicos essenciais e se abstenham de realizar escolhas que ameacem as funções ecológicas da flora e da fauna (artigo 225, § 1º, incisos I e VII). Em acréscimo, o texto também define que a proteção daqueles fundamentos naturais indispensáveis ao desenvolvimento da vida se dá no interesse das futuras gerações (artigo 225, caput).

Há nessas três tarefas um claro indicativo de que ninguém está, na República brasileira, autorizado a atingir por meio de suas escolhas, as condições naturais que sejam essenciais ao desenvolvimento da vida. Da mesma forma, há um claro indicativo de que deve ser desenvolvida e aperfeiçoada a proteção que já se pôde obter.

Suas escolhas não podem, desse modo, atingir os limites que definiriam um mínimo existencial ecológico (artigo 225, § 1º, inciso I), ao mesmo tempo em que devem ser capazes de aperfeiçoar e melhorar os níveis de qualidade de vida e dos recursos naturais que já foram atingidos, em consideração a um imperativo de proteção do bem-estar das futuras gerações (artigo 225, caput).

Nenhuma escolha parlamentar poderá inviabilizar ou oferecer obstáculos para a proteção das bases naturais da vida (artigo 225, § 1º, inciso I), Tampouco poderá ameaçar ou inviabilizar as funções ecológicas desses mesmos espaços, e da diversidade biológica que tem nos mesmos, o sustentáculo de uma extensa rede de relações bióticas (artigo 225, § 1º, inciso VII). Por outro lado, também não poderá reduzir a proteção que foi reservada anteriormente aos espaços especialmente protegidos, quando essa redução possa comprometer a integridade daqueles processos ecológicos (artigo 225, § 1º, inciso III). Em semelhante cenário, os blocos de constitucionalidade e de convencionalidade veiculados pela ordem jurídica brasileira não favorecem a admissão de escolhas como as que foram realizadas pela Câmara dos Deputados, por meio da aprovação do relatório apresentado pelo deputado Paulo Piau.

Outro aspecto relevante diz respeito à grave distorção veiculada pelo texto sobre o significado da função socioambiental da propriedade definida pelo artigo 5º, inciso XXIII, e pelos artigos 182, caput, e 186, caput, todos da Constituição brasileira, ao privilegiar sua função econômica em detrimento de imperativos de conservação e de defesa do meio ambiente. Esse último constitui um dos valores que orientam a própria ordem econômica nacional (artigo 170, incisos III e VI) não sendo possível, sob semelhante contexto, que o poder legislativo proponha modelo que não permita, por meio da exploração dos espaços, e do exercício dos poderes de proprietário, o desenvolvimento social e a conservação da qualidade dos recursos naturais. Trata-se de dever que é fixado pela Constituição para que seja suportado por cada proprietário de imóveis em território nacional, estejam eles situados no espaço urbano ou rural.

Quando o texto aprovado elimina a necessidade de se instituir a reserva legal nos imóveis rurais de até quatro módulos, e possibilita que a reserva legal seja reduzida para 50% para o fim de sua recomposição nos casos em que o município tenha mais de 50% de seu território ocupado por unidades de conservação e terras indígenas, é nítida a modificação da natureza daquele dever. O texto diminui sua prevalência sobre a condição dos proprietários e o atribui maior ênfase aos próprios poderes públicos, favorecendo uma imagem pela qual a condição de proprietário, nem sempre o obrigaria a atender a uma função ambiental, sentido este que se encontra vetado pela Constituição.

Sendo assim, Excelentíssima Senhora Presidenta, aproximando-se o momento em que deverá tomar uma decisão sobre o resultado dos recentes acontecimentos, todas as organizações aqui representadas lhe rogam que, com serenidade, considere seus compromissos com o projeto de sociedade que lhe é imposto pela Constituição brasileira, pelos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e, que por meio deles e de seus compromissos em construir os destinos da nação brasileira, aponha o seu veto ao texto.

Da mesma forma, as organizações aqui reunidas também enfatizam que divergem e censuram quaisquer manifestações ulteriores ou que estejam em curso neste momento, que, ao exemplo desta que resultou da votação realizada na Câmara dos Deputados, sejam capazes de retroceder nos níveis de proteção que já foram obtidos  pela Lei nº 4.771/1965, ou seja, o Código Florestal vigente, com a redação que lhe foi atribuída pela MP nº 2.166/2001.

As organizações rogam pelo seu compromisso com a Constituição, com as obrigações internacionais assumidos pelo Brasil, com o não retrocesso ambiental, e principalmente com a sociedade brasileira, para que não sancione o texto aprovado pela Câmara dos Deputados no último dia 25 de abril, rejeitando-o integralmente, e para que não tome decisões que impliquem o retrocesso na proteção ambiental, e nas políticas públicas ambientais brasileiras.

 Associação Brasileira dos membros do Ministério Público do Meio Ambiente -ABRAMPA
Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil - APRODAB
Instituto Brasileiro de Advocacia Pública - IBAP
Instituto “O Direito por um Planeta Verde”




[1] IPEA. Código Florestal: Implicações do PL 1876/99 nas áreas de reserva legal. Brasília: IPEA, 2011. p. 7.
[2] Cerrado já emite CO2 nos mesmos níveis que a Amazônia. Disponível em: http://www.ibama.gov.br/noticias-2009/cerrado-ja-emite-co2-nos-mesmos-niveis-que-a-amazonia. Acesso em 27 de abril de 2012.
[3] IPEA. Código Florestal: Implicações do PL 1876/99 nas áreas de reserva legal. Brasília: IPEA, 2011. p. 11-12.
[4] Ibidem, p. 12.
[5] Ibidem, p. 15-16.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Além do Veto

Guilherme José Purvin de Figueiredo
Procurador do Estado/SP
Sócio-Fundador e atual Presidente do IBAP





      Os maiores juristas do país vêm se manifestando favoravelmente ao veto ao projeto de lei da Câmara dos Deputados que objetiva a revogação do atual Código Florestal.

A questão, porém, não se limita à simples adesão à campanha “Veta Dilma”. Estão em debate a extensão do veto (se total ou parcial) e o passo seguinte, já que defender a rejeição ao Projeto da Câmara não significa de forma alguma apoiar o Projeto do Senado. Que preço pagaremos a este apoio? Estamos de fato próximos a um pacto nacional em defesa da biodiversidade e do desenvolvimento sustentável? Ou estaremos dando uma carta branca para o governo do PAC, de Belo Monte e da Copa, em plena Rio + 20?



Alcance do veto de cada artigo

É importante esclarecer que o veto não oferece margem de ação ao Presidente da República para o aperfeiçoamento do texto.

O sistema de veto não permite a alteração na redação de um texto presente no projeto, nem mesmo supressão de trechos selecionados de um artigo ou parágrafo. Imaginemos que uma frase no artigo X diga “A, B, C e D”., onde “A”, “B” e “D” são avanços na área ambiental e “C” é um retrocesso inadmissível. Não pode a Presidência da República vetar apenas “C”. Ou veta o artigo X inteiro ou o mantém incólume.

Tome-se o art. 4º do Projeto de Lei da Câmara (que trata das áreas de preservação permanente). Há, em meio aos avanços, um “cavalo de Tróia”. A letra “C”, neste caso, seria a alteração do marco de delimitação das áreas de preservação permanente e a exclusão dos canais e outros cursos artificiais da regra geral.

Não pode um simples veto, mesclar os avanços do art. 4º do PL da Câmara à regra do art. 2º, “a”, da Lei 4.771/65, que hoje delimita as APPs em torno dos rios ou de qualquer curso d'água (e não apenas dos naturais) desde o seu nível mais alto (e não desde a borda da calha do leito regular).



Veto parcial ou total ao projeto

Outra questão é o exame do projeto em sua integralidade.

Poderia a Presidência da República vetar meia dúzia de artigos (por exemplo, apenas aqueles que dizem respeito a anistias) e sancionar todo o restante.

Ocorre que o PL da Câmara (da mesma forma que o do Senado) oferece uma infinidade de auto-remissões. Se, da forma que foi aprovado, já provoca um completo caos, aprovar fragmentos desse caos resultará em esfacelamento completo da nossa já tão combalida legislação ambiental – algo que certamente agradará a muitos.

Por esse motivo, praticamente a totalidade dos juristas brasileiros tem defendido o veto total ao PL da Câmara.



O dia seguinte

O avanço legislativo em defesa do meio ambiente tem sido praticamente nulo desde 2001. Da liberação de transgênicos plantados ilegalmente no sul do país à revogação da primeira lei sobre Biossegurança; dos sucessivos decretos empurrando para a frente o cumprimento do Código Florestal à frustrante e inócua Lei de Mudanças Climáticas (Lei 12.187/2009); da criticadíssima Lei Complementar 140/2011 (que disciplinou a distribuição de competências administrativas ambientais entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios) ao Projeto de Lei aqui comentado, o que temos visto é a desconstrução do Direito Ambiental Brasileiro, que há vinte anos era um exemplo a ser seguido por todo o planeta.

Há espaço para resgatar uma perspectiva de respeito ao princípio da vedação de retrocesso? Parece-nos que não. As universidades e a sociedade civil foram solenemente ignoradas nesse debate. Esgotados agora os mecanismos políticos de participação democrática no processo legislativo, todos clamam pelo veto presidencial.

Qual será o preço desse clamor popular?

Se vetar totalmente o PL da Câmara e, por uma medida provisória, aprovar o texto do PL do Senado, Dilma Roussef será aclamada a líder ambientalista nacional na Rio + 20. Será uma cartada de mestre: ganharão o rolo compressor chamado PAC e o setor ruralista. Mas, para a mídia, terão vencido os ambientalistas. A todos nós, portanto, as batatas...


 

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Colóquio Internacional sobre a Carta da Terra

Com o apoio do IBAP, dia 7 de maio de 2012, a partir das 9h, será realizado em Brasília o Colóquio Internacional sobre a Carta da Terra, no Senado Federal. As inscrições podem ser feitas no site www.senado.gov.br/noticias/RelacoesPublicas, link “Inscrições para o Colóquio Internacional sobre a Carta da Terra". Para maiores informações entre em contato pelo E-mail: srpeventos@senado.gov.br ou pelos tels.: (61) 3303-1993/3343 Fax: (61) 3303-1067. Clique na imagem abaixo para ampliá-la.