Guilherme José Purvin de Figueiredo
Procurador do Estado/SP
Sócio-Fundador e atual Presidente do IBAP
Os maiores juristas do país vêm se manifestando
favoravelmente ao veto ao projeto de lei da Câmara dos Deputados que objetiva a
revogação do atual Código Florestal.
A questão, porém, não se limita à simples
adesão à campanha “Veta Dilma”. Estão em debate a extensão do veto (se total ou
parcial) e o passo seguinte, já que defender a rejeição ao Projeto da Câmara
não significa de forma alguma apoiar o Projeto do Senado. Que preço pagaremos a
este apoio? Estamos de fato próximos a um pacto nacional em defesa da
biodiversidade e do desenvolvimento sustentável? Ou estaremos dando uma carta
branca para o governo do PAC, de Belo Monte e da Copa, em plena Rio + 20?
Alcance do veto de cada artigo
É importante esclarecer que o veto não
oferece margem de ação ao Presidente da República para o aperfeiçoamento do
texto.
O sistema de veto não permite a
alteração na redação de um texto presente no projeto, nem mesmo supressão de
trechos selecionados de um artigo ou parágrafo. Imaginemos que uma frase no artigo
X diga “A, B, C e D”., onde “A”, “B” e “D” são avanços na área ambiental e “C”
é um retrocesso inadmissível. Não pode a Presidência da República vetar apenas
“C”. Ou veta o artigo X inteiro ou o mantém incólume.
Tome-se o art. 4º do Projeto de Lei da
Câmara (que trata das áreas de preservação permanente). Há, em meio aos
avanços, um “cavalo de Tróia”. A letra “C”, neste caso, seria a alteração do
marco de delimitação das áreas de preservação permanente e a exclusão dos
canais e outros cursos artificiais da regra geral.
Não pode um simples veto, mesclar os
avanços do art. 4º do PL da Câmara à regra do art. 2º, “a”, da Lei 4.771/65, que
hoje delimita as APPs em torno dos rios ou de qualquer curso d'água (e não
apenas dos naturais) desde o seu nível mais alto (e não desde a borda da calha
do leito regular).
Veto parcial ou total ao projeto
Outra questão é o exame do projeto em
sua integralidade.
Poderia a Presidência da República vetar
meia dúzia de artigos (por exemplo, apenas aqueles que dizem respeito a
anistias) e sancionar todo o restante.
Ocorre que o PL da Câmara (da mesma
forma que o do Senado) oferece uma infinidade de auto-remissões. Se, da forma
que foi aprovado, já provoca um completo caos, aprovar fragmentos desse caos
resultará em esfacelamento completo da nossa já tão combalida legislação
ambiental – algo que certamente agradará a muitos.
Por esse motivo, praticamente a
totalidade dos juristas brasileiros tem defendido o veto total ao PL da Câmara.
O dia seguinte
O avanço legislativo em defesa do meio ambiente tem sido
praticamente nulo desde 2001. Da liberação de transgênicos plantados
ilegalmente no sul do país à revogação da primeira lei sobre Biossegurança; dos
sucessivos decretos empurrando para a frente o cumprimento do Código Florestal
à frustrante e inócua Lei de Mudanças Climáticas (Lei 12.187/2009); da criticadíssima
Lei Complementar 140/2011 (que disciplinou a distribuição de competências
administrativas ambientais entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios)
ao Projeto de Lei aqui comentado, o que temos visto é a desconstrução do
Direito Ambiental Brasileiro, que há vinte anos era um exemplo a ser seguido
por todo o planeta.
Há espaço para resgatar uma perspectiva de respeito ao princípio
da vedação de retrocesso? Parece-nos que não. As universidades e a sociedade
civil foram solenemente ignoradas nesse debate. Esgotados agora os mecanismos
políticos de participação democrática no processo legislativo, todos clamam
pelo veto presidencial.
Qual será o preço desse clamor popular?
Se vetar totalmente o PL da Câmara e, por uma medida provisória,
aprovar o texto do PL do Senado, Dilma Roussef será aclamada a líder
ambientalista nacional na Rio + 20. Será uma cartada de mestre: ganharão o rolo
compressor chamado PAC e o setor ruralista. Mas, para a mídia, terão vencido os
ambientalistas. A todos nós, portanto, as batatas...
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